sexta-feira, 27 de maio de 2011

"Sou movido pelo que não conheço"

Nas veias da família Barreto, corre cinema. Quando o então repórter fotográfico Luiz Carlos se casou com Lucy, em 1954, eles não imaginavam que seriam responsáveis, junto com seus filhos Bruno, Fábio e Paula, por grande parte da produção filmográfica do Brasil da segunda metade do século XX. Boa parte dessa trajetória, que tem seu ponto alto no filme “Dona Flor e seus dois maridos”, de 1976,  produzido pela produtora da família, a LC Barreto, foi contada pelo filho mais velho do casal, Bruno, em sua participação no “Depoimentos para a Posteridade”, do Museu da Imagem e do Som, no último dia 19. O diretor foi entrevistado por um time formado por seus próprios pais, pela historiadora Rosa Maria Araújo, pelo produtor Flávio Tambellini e pela atriz Betty Faria. Eu estive lá e ouvi toda a entrevista, que deu origem à matéria que saiu na edição do Jornal Metro Rio do último dia 23.

Glória Pires será a estrela do próximo filme de Bruno, "A arte de perder"

Os melhores momentos do depoimento, em que o cineasta revisitou parte de sua história, incluindo detalhes dos bastidores de sucessos como “A estrela sobe” (1974) e “Romance da empregada” (1987), e revelou novos projetos pode ser conferido em seguida.


Luiz Carlos Barreto: Quais lembranças você tem da sua infância, da nossa casa? E como isso te aproximou do cinema?

Bruno Barreto: Nasci em 17 de março de 1955. Tenho muitas lembranças da infância. Morávamos em uma casa antiga em Botafogo. Na verdade, a casa estava caindo aos pedaços, tinha até vergonha de levar meus amigos lá. Fora isso, lembro que vivia em um ambiente de muita intelectualidade. Circulavam lá em casa Vinicius de Moraes, Baden Powell, Antonio Callado, Helio Pellegrino, Fernando Sabino... Também me lembro do (cineasta) Arnaldo Jabor editando filmes lá em casa. Uma imagem bem clara desse período é o Jabor atacando a geladeira lá de casa. Uma vez ele acabou tomando soda cáustica e ficou cáustico!

Eu era meio distante dos irmãos. Era o primogênito e era um menino meio complicado. Tinha déficit de atenção e tive de trocar de colégio três vezes. lembro que meu pai um dia chegou para mim e disse: "Mas você não quer fazer parte da elite dirigente?" (risos).

Rosa Maria Araújo: Quando você começou a filmar?

Queria ser diretor de fotografia. Meu pai era fotógrafo e eu fotografo desde pequeno. Mas não tinha gosto por dirigir. Comecei a gostar quando fiz meus primeiros curtas. Aí sim me tornei diretor, quando comecei a tomar gosto por contar histórias. Meu primeiro longa foi "Tati, a garota", de 1972. Lembro que minha avó vendeu um apartamento para eu poder ter dinheiro para filmar. Nessa época, queria fima um roteiro original meu, mas meu pai me aconselhou a adaptar alguma obra. Transformei um conto do Aníbal de Machado em roteiro e o filme saiu. Uma curiosidade do filme é que a principal estrela, a Dina Sfat, tem sua voz dublaa por outra atriz, porque como não tinha som direto na época, filmamos com ela e, quando íamos gravar a voz, ela tinha outro compromisso. No fim, nem a mãe dela percebeu que a voz não era da filha.
  
Flávio Tambellini: Qual foi a influência do Cinema Novo no seu trabalho?

Aos dez anos, fui visitar a filmagem de “Terra em Transe”, do Glauber Rocha. Até hoje, é um dos únicos filmes dele que me fascina. Acho que o Cinema Novo se aproximou mais da Nouvelle Vague francesa e eu sempre preferi o Neorrealismo italiano, mais ligado ao mundo e menos ao interior. Nesse aspecto faço uma comparação com o (Pedro) Almodóvar. Ele faz filmes muito pessoais. Sou movido pelo que não conheço. 

RMA: Como você analisa sua obra? Quais são seus melhores filmes?

Já fiz 19 filmes, mais do que o Nelson Pereira dos Santos e do que o Cacá Diegues. Talvez se não tivesse filmado tanto, tinha enlouquecido. O cinema me estabiliza, preciso dele para viver. E se eu pudesse fazer um balanço dos filmes que mais gosto, escolheria “Dona Flor” e “Romance de Empregada” por um motivo: estava muito apaixonado quando filmei esses filmes e isso transpareceu no trabalho. A época do "Dona Flor" foi a melhor da minha vidaEstava apaixonado pela minha ex-mulher, a Suzy Gentil, e minha filha nasceu no mesmo ano. Lembro de vários momentos bons durante as filmagens. O primeiro aconteceu antes delas. Meu pai comprou os direotos da obra de Jorge Amado e queria dar para o Gláuber Rocha fazer um musical. Ele não quis. Acabou que "Dona Flor" caiu no meu colo. Outro momento feliz foi a nascimento da minha filha, que aconteceu quando eu estavafinalizando o som do filme. Saí da maternidade direto para ver como estava a trilha sonora que o Chico Buarque havia feito.

Betty Faria: Sua relação com os atores é muito próxima. Você estuda interpretação?

Nunca estudei interpretação e sei que deveria ter estudado. Mas nesse aspecto sempre fui muito sensitivo e procuro não atrapalhar. Por isso, antes de filmar é fundamental saber escalar, já que uma escalação boa já é 80% do trabalho, e os ensaios, que sempre defendo como melhor forma de chegar ao resultado. Aprendi isso com os fracassos, que sempre me ensinaram mais do que os acertos.

RMA: E quanto aos projetos futuros? O que você está fazendo agora?

Meu próximo filme vai se chamar “A arte de perder”. É um projeto que já tem 15 anos e está em processo de filmagem e financiamento. A Glória Pires está no elenco. Quero contar a história de amor entre a poeta Elizabeth Bishop e a arquiteta Lota de Macedo Soares, que enquanto tiveram um caso de amor,  alcançaram as maiores realizações de suas vidas: Elizabeth ganhou o Pulitzer e Lota projetou o Aterro do Flamengo. Outro projeto é um filme sobre o pianista João Carlos Martins, que vai se chamar “João”. 

RMA: E quanto à sua estreia na TV, filmando dois episódios de "Amor em quatro atos", baseado na obra de Chico Buarque? 

Sempre fui um apaixonado por televisão, queria fazer TV desde a década de 90, quando voltei dos Estados Unidos. A dramaturgia migrou do cinema da televisão. E hoje, acredito que os dois se misturam de certa forma: não é possível fazer um filme de mais de duas horas e meia, as produções estão se encurtando. Por isso, tentar expandir o formato do cinema para a TV é uma boa saída para a maioria dos diretores, que, além de poderem explorar uma outra linguagem, conseguem alcançar um número maior de espectadores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário