domingo, 8 de maio de 2011

Um pouco de sonho faz bem


Já era hora de o fantástico ter um pouco de espaço no cinema brasileiro. O hiperrealismo de produções como Tropa de Elite ou Cidade de Deus, que tiveram forte apelo perante a mídia e a própria crítica, acabou fechando as portas para ou até desestimulando a criação de filmes um poucos mais ousados, do ponto de vista estético, e inusitados, falando do roteiro. Não estou condenando esse tipo de filme, até porque os considero, muitas vezes, retrato de nossa sociedade atual, em choque perante tantos casos de violência e escândalos de corrupção.

Cauã Reymond está bem no papel de João, um jovem desiludido com a vida

A vida real brasileira é rica em temas para serem desenvolvidos nas telas. E isso não é algo a ser condenado. Pelo contrário, a reflexão gerada por esses filmes acaba provocando debates que ajudam na resolução de muitos dos problemas que enfrentamos. Contudo, às vezes recorrer ao sonho é uma boa saída para esse choque de realidade.

Em “Não se pode viver sem amor”, em cartaz desde a última sexta, o chileno Jorge Durán (que já assinu o roteiro de “Pixote – A lei do mais fraco”) consegue lidar de forma brilhante com essa dicotomia. O diretor, que adotou o Rio como sua cidade há mais de 30 anos, consegue derramar poesia sobre os paralelepípedos do Centro da cidade e constrói um mosaico de relações onde a fuga para o fantástico acaba sendo a saída para as ausências e necessidades reais. Com a ajuda de um roteiro afiado e superando problemas – comuns para produções nacionais – como a falta de verba, Durán consegue costurar uma trama bem amarrada, em que os personagens, como em uma ciranda encantada, dançam a procura de um par, de alguém que falta, do amor que um dia se perdeu. E quando tudo parece perdido e não parece haver mais saída na luta contra a solidão, resta ao sonho botar ordem na realidade e construir um novo mundo real.

O roteiro se divide em dois núcleos que se fundem no desenrolar da história. Na véspera do Natal, Roseli (Simone Spoladore, ótima, Melhor Atriz do Festival de Gramado pelo papel) e seu filho Gabriel (o estreante Victor Mott, um pouco inseguro, mas mesmo assim eficiente e promissor), saem do interior para o Rio em busca do pai dele, que os abandonou. No outro extremo está Pedro (Angelo Antônio), professor universitário, que se acaba tendo seu caminho cruzado por João (Cauã Reymond), um jovem desempregado, que se desespera por não conseguir concretizar sua paixão pela desiludida dançarina Gilda (Fabíula Nascimento, como sempre maravilhosa, dessa vez em um papel diferente dos últimos que interpretou, mais lírico do que cômico). É a partir dos encontros e desencontros dessa teia de personagens que o sonho acaba se impregnando na narrativa e influenciando a realidade.


Apesar de não ser veiculado em circuito convencional e não ser um filme de fácil digamos, digestão, recomendo a tentativa. Afinal, nada melhor do que o sonho para curar um pouco a ressaca da realidade.

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